sábado, 17 de março de 2018

EU NÃO MORRO DE AMORES POR CHURCHILL

EU NÃO MORRO DE AMORES POR CHURCHILL,
como já mostrei por aí várias vezes, é por isso que não resisto a qualquer oportunidade de o pôr (que pretensiosismo o meu!) mais ao nível da sua justa (mas quem sou eu para saber o que é justo em Churchill?) medida - que não será tanta quanto tantos lhe querem atribuir.
«Mas está decidido: depois de algum tempo com a família em Portugal, seguirei sozinho para o Ultramar. Verei com olhos ainda sem óculos o mundo que o português não acabou ainda de criar com seu sangue, seu suor e suas lágrimas: suas e principalmente das suas mulheres. Palavras - esse "sangue", esse "suor" e essas "lágrimas" - que antes de serem de Churchill, foram de Vieira: do nosso António Vieira. Descobriu-o um pesquisador brasileiro que me comunicou há anos o fato miúdo mas interessante. Referia-se o padre ao esforço luso-brasileiro de resistência a estrangeiros. Duro esforço de guerra. Poderia ter incluído todo o afã não só luso-brasileiro como lusíada, de colonização dos trópicos: resistência a invasores, a selvagens, a doenças, a pragas, a inundações, a tempestades, a secas, a insetos, a feras. Sangue, suor e lágrimas não só em tempo de guerra como nos de paz, às vezes mais difíceis que os de guerra.» (Gilberto Freyre, "Aventura e Rotina, Sugestões de uma viagem a procura das constantes portuguêsas de caráter e ação", Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1953, p. 17)

domingo, 11 de setembro de 2016

Mãe, osso também é de galinha!

Psicologia - Frase da semana, 11SET16: Mãe, osso também é de galinha!

«Verdade verdadinha. Esta ouvi-a eu.
- Mãe, deste ouvido não ovo.
- Não é ovo, filho. Ovo é de galinha. É ouço.
- Mãe, osso também é de galinha!
» (1)

Continua a ser muito intrigante para os estudiosos do desenvolvimento infantil, seja da inteligência, seja da linguagem, o momento em que as crianças, depois de encontrarem alguma estabilidade na organização dos sons (sim, os sons, antes das palavras) de quem com elas falam, disparam no uso - tremendamente lógico! - da gramática que sustenta a língua que é usada (no fundo, antes de saberem que estão a falar português ou chinês, as crianças identificam e dominam o essencial da gramática da língua que usam; ou das línguas, nos casos de bilinguismo, ou mesmo trilinguismo). E o uso que fazem da língua é um uso criativo - criativo sem ser anarquicamente inventivo. Exemplo notável o que nos traz Manuela Barros Ferreira.

A conjugação dos verbos irregulares é um terreno especialmente rico em exemplos do que estou a tentar dizer.

O momento de desenvolvimento de que o curto diálogo dá conta está para o
Nápoles, Museu Nacional de Arqueologia, Mosaico de Alexandre
desenvolvimento pessoal assim como a vitória de Alexandre da Macedónia sobre Dario da Pérsia, em Issos, em 333 a. C., está para a história do Mundo.


A criança pequena, no seu natural e saudável desenvolvimento, quer descobrir o Mundo, quer conquistá-lo, quer dominá-lo; e vai onde for preciso, com todos os recursos que tenha à sua disposição. Somos todos, afinal, à escala individual, o sedento - e muito inteligente! - Alexandre, o Grande. Dario é, ou melhor, são, à sua maneira, a mãe, o pai e todos aqueles que nos querem ensinar qualquer coisa; e nós, crianças, preferimos sempre aprender por nossa conta e risco. Grande entusiasta de citações (segundo leio, muito as procurava, muito as decorava, e muito tentava fazer igual), Winston Churchill, disse, em 1952, no Parlamento inglês: «Estou sempre disposto a aprender, mas nem sempre gosto de ser ensinado».

Não são as crianças que inventam os verbos irregulares. A gramática, digamos, natural, é a da regularidade da conjugação; se surgem irregularidades é porque, algures no tempo, alguém - quase de certeza que não foi uma criança! - inventou uma irregularidade, uma espécie de mutação genética, que depois se manteve e passou às gerações seguintes.
Para não me perder em confabulatórias análises, voltemos o foco para o diálogo e consideremos algumas coisas em forma de lista:
  1. Pois, a tal gramática natural da criança pede "ouvo" e não "ouço" (ou "oiço").
  2. A criança diz "ovo" /ôvo/ porque, muito provavelmente, o que ela ouve lá em casa é /ôço/ em vez de /ouço/; tal como, por exemplo, ouve /tamém/ em vez de /também/. É a ditadura da Lei do Menor Esforço, tão importante em qualquer sistema de fala; ou mesmo do pensamento.
  3. A mãe cumpre o seu papel educativo e corrige o filho; inclusivamente acrescenta um elemento de aprendizagem discriminativa, quando traz a galinha à discussão.
  4. Só que, outra vez a Lei do Menor Esforço atraiçoa a mãe: ela não diz /ouço/, muito provavelmente diz /ôço/; mas, na sua mente, pensa que está a dizer bem, até porque quase de certeza está a ver, na sua mente, a palavra muito bem escritinha!
  5. Ora, o filho - que é, no mínimo, tão inteligente quanto a mãe -, que capta a voz e não o pensamento da mãe, e em resultado de tanta galinha que já viu - e certamente comeu lá em casa -, ouve /ôsso/ e não /ouço/.
  6. Sem sair do campo do adversário - os ovos, os ossos e as galinhas são da mãe, é ela que está a jogar em casa -, o inteligente rapazinho, qual Alexandre, o Grande, dispara sobre o poderoso Dario e espeta-lhe a lança final!
Quando é que será que os pais e os professores se convencem de que as crianças querem aprender, e bem para além do espírito de oposição de Churchill, a questão não é bem que não queiram ser ensinadas - querem aprender, e pronto! Umas vezes aprendem sozinhas, e outras vezes gostam de ser ensinadas; mas, de preferência, respeitando a lógica natural das coisas, homessa!

P.S. - Hoje em dia, continua a espalhar-se entre a generalidade dos professores o medo de que, com o advento dos computadores, tablets e smartphones, os alunos passam a saber mais do que os professores. Sim, em muitos casos, é um "perigo" real - é mesmo já uma evidência. Mas, atenção! As crianças - e todos os adultos foram um dia também crianças - praticamente desde que nascem espontaneamente fazem isso: aprendem por elas próprias, sem computadores, sem telemóveis; apenas por olharem o mundo à sua volta, nele se interessarem, explorarem e pensarem. Por isso, não culpem os computadores, queixem-se antes da Educação que dão, em casa e na escola.

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Fonte da fotografia: 
By Berthold Werner, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=32224321
(1) Trouxe este diálogo do mural do Facebook da Professora Manuela Barros Ferreira.


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Gravitas, Pietas, Simplicitas

"Os três «imortais» princípios da educação"


Segundo Cícero, os três princípios da Educação tradicional romana eram os seguintes: gravitas, pietas, simplicitas.


  • Gravitas representava o sentido da responsabilidade;
  • Pietas funcionava como o vínculo, por excelência, que ligava o homem romano: aos deuses, aos membros da sua família - vivos e mortos -, e à Cidade.
  • Simplicitas devia incutir o sentido do valor autêntico de cada pessoa e de cada coisa.

"«Imortais» chamámos aos princípios que Cícero nos transmitiu como constitutivos básicos da formação dos seus compatriotas. E não o serão, de facto? Não representarão eles valores permanentes, na sua essência, uma vez despojados, na medida em que isso é possível, das circunstancialidades de tempo e de espaço? Embora formulados numa sociedade «arcaica», não serão eles aptos - uma vez mais, na sua essência - a formar homens, que o sejam, na verdade, pertencentes a uma sociedade industrial?"
Estas interrogações - provavelmente, mais atuais que nunca -, encontramo-las deixadas pelo padre Manuel Antunes, em 30 de julho de 1970.
(padre Manuel Antunes, Obra Completa, tomo II, Paideia e Sociedade, 2.ª ed., 2008. F.C.G., p. 105-106.)

"Behind such heroines were the nameless wives whose marital fidelity and maternal sacrifices sustained the whole structure of Roman life. The old Roman virtues — pietas, gravitas, simplicitas — the mutual devotion of parents and children, a sober sense of responsibility, an avoidance of extravagance or display—still survived in Roman homes."
(Will Durant, Caesar and Christ, 2011)